É possível dizer que muitos dos acidentes na Fórmula 1 durante o século XX eram passíveis de se evitar antes que ocorressem. Os incêndios, principalmente, passaram a ser pauta de maneira adequada apenas após situações de alto risco para os pilotos e todos os envolvidos, além de fatalidades marcantes para a categoria.
Em um dos casos mais recentes na categoria mais popular do automobilismo mundial, vimos Romain Grosjean sair quase que ileso de sua Haas, após um acidente aterrorizante durante o Grande Prêmio de Bahrein de 2020.
No entanto, antes de Grosjean, muitos pilotos não tiveram a mesma sorte, terminando com ferimentos gravíssimos ou até mesmo chegando ao fim de suas vidas de maneira trágica.
Acidentes que mudaram a relação entre a Fórmula 1 e o fogo
Seguindo como base uma pesquisa feita pelo perfil @formulalau, no X – o antigo Twitter, relembramos 5 acidentes marcantes que fizeram então que a relação entre o fogo e a Fórmula 1 mudasse drasticamente ao longo do tempo.
Jerry Unser (Indianápolis, 1959)
Analisando as imagens da época, fica claro o quanto as roupas dos automobilistas eram perigosamente “comuns” no passado. Muito disso se deve então ao fato de que as primeiras roupas à prova de fogo para bombeiros tiveram sua criação apenas durante a Segunda Guerra Mundial.
Como o automobilismo, por muito tempo, não era visto como uma atividade tão perigosa, se comparado ao que enfrentavam os bombeiros, por muito tempo nem entrou em debate qualquer tipo de proteção, principalmente a incêndios, nos uniformes e roupas dos pilotos.
No entanto, como bem destacado pelo perfil responsável pela pesquisa, “houve um evento canônico que acabou com essa festa das camisetas de algodão“.
Jerry Unser Jr. tinha apenas 16 anos e competia pela segunda vez nas 500 Milhas de Indianápolis em 1959 – a prova integrava o calendário da Fórmula 1 na época. Durante a corrida, seu carro colidiu e, de forma instantânea, começou a pegar fogo.
Jerry impressionantemente não sofreu fraturas no impacto, mas acabou preso dentro do veículo em chamas. Ele esteve consciente durante todo o tempo e, segundo relatos dos fiscais presentes, gritava: “minhas pernas estão pegando fogo, liguem para minha esposa!“.
Como Jerry e sequer os fiscais usavam roupas à prova de fogo, ninguém conseguiu se aproximar até que as chamas se apagassem. Com quase 40% do corpo queimado, o estadunidense faleceu duas semanas depois.
Consequências: Como resposta, a Indy imediatamente tornou obrigatório o uso do macacão de corrida. A F1 acabou fazendo o mesmo, mas apenas em 1963.
Lorenzo Bandini (Mônaco, 1967)
Em busca de “igualar” o mais curto trajeto de Mônaco – em comparação aos outros circuitos – a prova no passado chegou a ter impressionantes 100 voltas. Dessa forma, os pilotos precisavam buscar sanidade para enfrentar desgastantes três horas e meia de corrida.
Lorenzo Bandini, italiano com uma sólida trajetória no automobilismo, estava na volta 82 quando cometeu um erro crucial ao errar a entrada para os boxes. O impacto contra um guard-rail culminou em um pneu solto e na ruptura do tanque de combustível de sua Ferrari. O carro capotou, espalhando faíscas pelo asfalto.
Infelizmente, Lorenzo foi arrastado dentro do veículo até colidir com uma barreira de feno, que se tornou altamente inflamável devido ao combustível que o envolveu. Tudo ficou ainda mais perigoso com a combinação de faíscas e o material inflamável, resultando assim em um cenário extremamente assustador.
Além do feno, um helicóptero da imprensa sobrevoava o local do acidente muito próximo do solo. Dessa forma, o movimento da hélice alimentou ainda mais o fogo com oxigênio.
A situação foi ainda mais desesperadora pelo fato dos bombeiros acreditarem que Lorenzo havia sido arremessado para fora do veículo e só perceberam que o piloto estava entre as chamas quando viram seu braço saindo do meio do carro, já algum tempo depois do acidente.
A prova ainda continuou e completou suas 100 voltas. Lorenzo Bandini, de 31 anos, teve 70% do corpo queimado e faleceu poucos dias depois.
Consequências: Foi a última vez que Mônaco atingiu essa duração – inclusive, hoje opera com 85% da distância exigida para os outros circuitos da Fórmula 1. Também foi a prova responsável pelo fim das barreiras de feno, além de provocar a melhor regulamentação da distância entre os helicópteros e as pistas.
Jo Siffert (Brands Hatch, 1971)
Quando a Fórmula 1 já acreditava ter aprendido a lidar da melhor maneira possível com o fogo, uma tragédia no circuito inglês de Brands Hatch em 71 provou o contrário.
O então experiente piloto Jo Siffert perdeu a suspensão e foi parar com seu carro nos muros. Rapidamente, os comissários foram ajuda-lo. Ainda assim, o suíço de 35 anos não conseguiu sair do veículo e faleceu no mesmo circuito em que conquistou sua primeira vitória pela categoria.
Durante a apuração do acidente, foi comprovado que três extintores falharam durante o resgate. Se não fosse pelo incêndio, Jo não só sairia vivo do acidente, como não teria nada além de uma de suas pernas quebrada.
Consequências: Após o acontecimento com Siffert, foi implementado um extintor de incêndio dentro dos carros e um suplemento de oxigênio para que os pilotos não sufocassem ao ter de lidar com o fogo. Décadas depois o suplemento foi retirado, devido ao risco de alimentar ainda mais o fogo.
Roger Williamson (Zandvoort, 1973)
A essa altura, já havia sido implementado, ao menos nos macacões da Fórmula 1, o Nomex – uma fibra resistente a chamas e altas temperaturas que não derrete, pinga nem propicia combustão no ar. Ela, inclusive, segue sendo utilizada de forma mais abrangente nos dias atuais.
Ainda assim, não foi o suficiente para salvar a vida de Roger Williamson, de 25 anos, já que a maior causa de sua morte foi o despreparo de quem deveria acudi-lo.
O britânico perdeu um pneu durante a prova nos Países Baixos em 73, e seu carro capotou. O veículo chegou então a percorrer 275 metros de ponta cabeça, antes de atingir um guard-rail e pegar fogo.
O também britânico David Purley vinha atrás em seu carro e imediatamente correu para ajudar Roger. Em meio aos gritos desesperados de Williamson, Puerley fez de tudo para tentar resgatá-lo. Ele tentou puxar o companheiro de profissão, virar o carro e até acenou, infelizmente em vão, para os fiscais da prova.
Infelizmente, a ajuda chegou tarde, culminando assim no falecimento de Roger ainda dentro do veículo.
A direção de prova não interveio, pois, ao observar de longe, concluíram erroneamente que David era o piloto acidentado. A presença dele, pulando e tentando socorrer o carro, fez com que acreditassem que estava tudo sob controle.
Consequências: Após este triste evento, a Fórmula 1 começou a exigir uma preparação mais rígida e eficaz para os fiscais e passou a contratar mais funcionários da área, visando assim cobrir uma área maior do circuito.
Niki Lauda (Nürburgring, 1976)
Por último, o mais famoso caso nessa lista e o único que não terminou em morte para o piloto envolvido, mas poderia ter tido um fim bem mais trágico.
– Acidente de Niki Lauda completa 45 anos; relembre
Assim como nos casos citados anteriormente, Niki Lauda bateu com seu carro e ele explodiu em chamas. No entanto, o “diferencial” por aqui foi o fato do piloto ter perdido seu capacete durante o impacto.
Em meio a uma bola de fogo de quase 800 graus, Lauda tinha apenas o tecido da balaclava separando seu rosto das chamas. O resgate, iniciado por Arturo Merzario, um piloto italiano que vinha logo atrás, foi realizado rapidamente, retirando Lauda do carro enquanto lutavam para evitar o pior cenário possível.
No entanto, a exposição ao fogo foi extrema, resultando em queimaduras significativas em boa parte da cabeça de Niki, que sobreviveu e retornou milagrosamente às pistas antes mesmo do tempo esperado. Porém, esta foi uma experiência que deixou marcas profundas em sua vida e carreira.
Consequências: Após o ocorrido com Lauda, a FIA padronizou os macacões e estabeleceu a obrigatoriedade de que toda a indumentária fosse à prova de fogo. Essa medida visava aumentar significativamente a segurança dos pilotos.
Desde então, a única situação em que houve uma falha na roupa foi em 2020, durante o incidente envolvendo Romain Grosjean, citado anteriormente. Ainda assim, apenas as luvas apresentaram alguma falha, destacando a eficácia geral dos avanços implementados para proteger os pilotos em situações de incêndio.
Sid Watkins: Um herói da Fórmula 1
O neurocirurgião Sid Watkins desempenhou um papel fundamental na introdução de medidas de segurança na Fórmula 1.
Na década de 90, o britânico implementou uma regra crucial: todo piloto deveria ser capaz de deixar o carro por conta própria em menos de 10 segundos. Essa medida tinha como objetivo minimizar a exposição dos pilotos à fumaça em casos de acidentes, reforçando ainda mais os protocolos de segurança na categoria.
Watkins também foi responsável pela criação do eficiente Medical Car, o veículo utilizado no automobilismo em casos de emergências, considerado “a ambulância mais rápida do mundo”. O renomado cirurgião britânico faleceu em 12 de setembro de 2012, aos 84 anos.